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Wednesday, August 25, 2010

Uma Última Homenagem


In Jornal Impacto da Região

Soube há pouco que perdi um aluno. Não o perdi por abandono do curso, não o perdi por ele ter arranjado trabalho ou se ter cansado, como é habitual. Perdi-o eu, a sua família e o Mundo. Perdi-o porque se rendeu, porque desistiu, porque a única saída que viu foi acabar com a vida. Em cada linha que escrevo visualizo-lhe o rosto, escondido e silencioso na última fila da sala. Em cada minuto que passa relembro o e-mail que lhe enviei quatro dias antes da sua morte perguntando se estava bem e se o poderia ajudar em alguma coisa. Não perdi apenas um aluno. Perdi aquele. Aquele ser único na sua especificidade. Porque nenhum ser humano é igual a outro. Porque cada aluno que tenho é insubstituível.

Gostava que ele tivesse desistido do curso para ir ao Boom Festival. Gostava que ele tivesse desaparecido por ter arranjado trabalho num país distante, por ter conhecido alguém e ter partido à aventura, por ter decidido que queria ser cozinheiro em vez de outro técnico. Gostava que ele tivesse pedido ajuda e, sobretudo, gostava de ter percebido antes que o calmo e silencioso aluno estava infeliz, estava deprimido e a bater no mais fundo do fundo.

Hoje o dia é de pesar. É um dia para pensar a vida. Valorizar as pequenas coisas. É um dia para tentarmos compreender como numa turma com mais de vinte pessoas só sabemos da morte de um “dos nossos” um mês depois. Vivemos em rede mas cada um na sua ilha. Partilho estes pensamentos convosco porque são importantes para o meu crescimento e espero que para o vosso. Na morte do outro percebemos melhor a nossa vidas.



Tatiana Santos

Psicóloga Clínica, doutoranda em Psicanálise

Espaços em Palmela * Lisboa * Alverca

http://cronicasdeumamentesa.blogspot.com

Tuesday, November 17, 2009

O Início do Fim


Crónica Publicada no JORNAL DO PINHAL NOVO
COLUNA: DO OUTRO LADO DO ESPELHO
17-Nov-2009

A propósito da recente morte que abalou o mundo do futebol – o do jovem Robert Enke, de 32 anos – quase tão mediático como o do não menos jovem e conhecido actor Heath Leadger, hoje o tema do “Outro Lado do Espelho” é esse assunto difuso e assustador que se prende com o facto de se poder colocar termo à vida. Quando esta é a única opção, a morte não termina apenas um ciclo mas é também uma forma desesperada de comunicar uma dor profunda. Robert Enke era um jovem adulto que tinha recém perdido a sua filha de dois anos. Enfrentou uma depressão profunda que escondia dos meios de comunicação social, temendo prejudicar a sua carreira. Como Enke, encontram-se muitas outras pessoas.

Assinalarei nesta crónica, o suicídio que decorre na fase correspondente à adolescência já que, depois dos acidentes de viação, o suicídio é a segunda causa de mortalidade entre os jovens. Cerca de 1000 jovens entre os 15 e os 24 anos morrem todos os anos por suicídio. A tentativa de suicídio é verdadeiramente o tipo de gesto que assume múltiplas estratégias e intenções. Acontece muitas vezes num clima de impulsividade e representa, evidentemente, um virar da agressividade contra si. Constitui um ataque contra o corpo e tudo o que ele representa, mas é também uma forma de provocar a reacção dos outros. Além disso, levanta o problema da depressão e das ideias de morte cuja frequência, nesta época da vida, se conhece bem.

Mas o que poderá levar um jovem a cometer um acto como o suicídio? Várias situações podem estar na origem deste problema. Desde o desespero de abandono em que uma separação é sentida como uma queda num abismo de morte, à ruminação obsessiva em que o comportamento suicidário representa uma forma de dizer que nada nem ninguém estará a altura de entender e ajudar quem se tenta suicidar. Passando por um modo de destruir a dor, induzindo uma dor mais aguda (mas contida) que absorva toda a vida interior, todos os afectos e que é suportada por sintomas diversos, como a anorexia nervosa - acabando por ser um “suicídio” em câmara lenta. Até à tentativa de destruição das pessoas que foram abandónicas numa espécie de “imolação pela vingança”, em que a morte surge da expectativa de introduzir na sua mãe, no seu pai, no/a companheiro/a, os remorsos persecutórios que os mortifiquem de culpa e os matem, por dentro, devagar.

Devemos estar atentos aos sinais e sintomas. A ajuda deve ser imediata e o acompanhamento poderá prevenir o “início do fim”.

Friday, May 29, 2009

FIGHT CLUB (análise Psicológica do filme)

NOTA: A análise deste filme é detalhada e inclui revelação do final do mesmo e esclarecimentos acerca das personagens. Não recomendado a quem não viu o filme e pretende o efeito surpresa.


Ficha técnica
Ano: 1999
Realizador: David Fincher
Produtor: Cean Chaffin; Art Linson e Ross Bell
Argumento: Jim Uhls
Baseado no romance de Chuck Palahniuk

«Eu sou os suores frios do Jack»
«Eu sou a vingança do Jack»
«Eu sou a vida desperdiçada do Jack»
«Eu sou o inflamado sentido de rejeição do Jack»
«Eu sou o coração despedaçado do Jack»


Estas frases definem, só por si, todo o rumo do filme – uma espiral descendente de decadência e rotura com o mundo. FIGHT CLUB é um filme bastante violento sobre esquizofrenia. No entanto, apenas no final do filme é que o espectador se apercebe da doença do personagem principal.

A definição de esquizofrenia pode ser aplicada a esta separação que ocorre no narrador do filme – Jack (Edward Norton). Esta fragmentação, leva-o a criar Tyler Durden (Brad Pitt), uma personagem que encarna as suas pulsões do Id.

Desde o início do filme é possível registar alguns comportamentos e frases que remetem para o surgimento de Tyler. Por exemplo, quando Jack visita o médico acerca da sua insónia que se arrasta há seis meses. Nessa altura, Jack pede que lhe prescreva medicação com medo de morrer de insónias. «Mas eu estou em sofrimento» - diz. Ao que o médico responde, muito ao jeito de Tyler: «se queres saber o que é dor, vai ao grupo de apoio de cancro testicular... isso sim, é dor». O conceito de Tyler Durden surge assim que o médico pronuncia as palavras «isso sim, é dor».
Mas é apenas quando Jack se encontra no avião – para uma viagem de trabalho – que Tyler surge realmente numa cena com diálogo. Antes da chegada de Tyler, a monotonia da vida de Jack é transmitida quando o espectador o vê a catalogar os aeroportos por onde passa, quando está a trabalhar. «Acordas em O’Hare, acordas em Dallas (...) será possível acordar como alguém diferente?» - diz o narrador Jack.

O NASCIMENTO DE TYLER DURDEN



A desilusão e frustração de Jack é revelada à medida que ele imagina um terrível despenhamento ou choque entre aviões, porque o seguro paga a dobrar quando a morte acontece em trabalho. Esse acidente não é mais do que a raiva interior de Jack. Para além disso simboliza todas as alterações que se estão a dar a nível psicológico e que vão mudar radicalmente a sua vida. É o colapsar do Jack.

É então que Tyler Durden é criado. Surge sentado ao lado de Jack assim que ele «acorda» do seu acidente imaginário. Neste momento, o espectador é levado a crer que Tyler é um ser humano real. Pode então conhecer-se a sua actividade profissional e alguns detalhes a seu respeito. Tyler fabrica e vende barras de sabão. Sabão este que, ao longo de todo o filme, vai assumir uma função extremamente simbólica e relevante para o rumo da história.

Se, por um lado, o sabão se prende com o «lavar», «apagar» o materialismo – exactamente o que Tyler prega durante toda e viagem e todo o filme acerca dos malefícios do consumismo – por outro, o facto de Tyler roubar gordura humana a centros de liposucção para fabricar as barras de sabão que vende a $20 cada, remete para o extremo oposto. Há um dualismo nesta figura: sabão que nos leva quer para o anti-materialismo, quer para o materialismo na sua forma mais pura.

Inicialmente o narrador sente-se fascinado por Tyler – pela sua força, estilo, carisma, determinação. Tyler é tudo aquilo que Jack nunca conseguiu ser. Quando Jack perde o apartamento numa explosão (que mais tarde se verifica ter sido provocada pelo próprio), fica desalojado e passa a viver com Tyler numa casa semi-destruída, em eminente colapso. Esta casa é a última rejeição de materialismo por parte de Jack. Separado dum mundo de consumo, o narrador começa a sua descida ao inferno, a um mundo de caos.

Jack, empregado numa companhia de seguros, sofre de tédio e insónias. O seu único escape é frequentar grupos de apoio a tuberculosos, doentes de Lúpus e cancro testicular... ao contrário dos frequentadores destes grupos, Jack não sofre de uma doença fatal ou de algum tipo esquisito de parasitismo sanguíneo. Jack é o próprio parasita que se torna dependente do sofrimento dos outros. Os seus bens materiais são tão insuficientes que só assistindo à dor dos outros consegue chorar e assim dormir como um bebé. Porém, rapidamente os grupos de apoio deixam de ser suficientes. A figura de Tyler serve para preencher essa lacuna – Tyler é o que Jack sempre sonhou ser.

AUTO-AGRESSÃO, VIOLÊNCIA AUTO-INFLINGIDA



Tyler insiste na filosofia de que experienciar a dor é um modo de alcançar a libertação. Assim, Jack inicia uma actividade auto-destrutiva como meio de melhorar a sua existência entediante e banal – nasce o FIGHT CLUB.

As tendências destrutivas do narrador são evidentes, sobretudo quando Tyler queima a mão de Jack (com um beijo e Potassa). Quando o espectador se apercebe que Tyler e Jack são a mesma pessoa, essa cena atinge uma dimensão muito profunda e densa devido à percepção da auto-mutilação que se pretende recriar no filme. O beijo, que significa amor, assume aqui o papel de destruidor. Não há limites para Jack. O que era deixou de ser. Os conceitos alteram-se neste novo e complexo mundo que Jack descobriu.

Jack percebe que ele e Tyler se assumem-se como uma e a mesma pessoa quando se começa a verificar incongruências e quando deixa de se identificar com as acções que tanto valorizava. Ao perceber que tudo está a tomar proporções alarmantes – sobretudo o projecto Destruição – vidas passam a estar em jogo e Jack tem de, rapidamente, ganhar o controlo da situação destruindo Tyler Durden.

O último acto de violência auto-inflingida é a tentativa de suicídio de Jack. Agora o controlo é seu... a arma de Tyler está na sua mão porque Tyler e ele são um só.