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Monday, June 1, 2009

A "Identidade Roubada" de Gomes da Silva



Segundo Gomes da Silva (1994), a sociedade de princípios dos anos 90 (época em que o texto foi redigido) era caracterizada por uma visão etnocêntrica do mundo. Os Homens do mundo Ocidental tinham tendência para acreditar que o seu saber era o único válido e cientifico. Marx Weber defendia esta teoria. Emile Durkeim, um dos fundadores da Escola Sociológica Francesa (juntamente com Marcel Mauss) pegou na ideia e desenvolveu o princípio de que as sociedades eram mais evoluídas, porque apresentavam uma estratificação que não se verificava nas sociedades ditas «primitivas». A palavra-chave para essas sociedades «primitivas» era semelhança, opondo-se às sociedades consideradas «evoluídas», para as quais a palavra-chave era diferença.

«Tal como os romanos descobriram semelhanças muito grandes entre os artigos germanos, os ditos selvagens produzem o mesmo efeito no Europeu civilizado»

A sociedade Ocidental sempre teve tendência para estabelecer uma comparação em termos de superioridade Vs. inferioridade sem ter em consideração o facto de estarem a observar culturas completamente diferentes, com um distinto modo de ver o mundo. Chegaram mesmo a pensar que aquelas sociedades não eram mais do que simples reflexos deles próprios antes de terem evoluído. Entre a «selva inferior» e a sociedade ocidental «superior» a maior distinção residia numa diferenciação das personagens, uma estratificação do papel do Homem. Acreditava-se que nesses mundos primitivos reinava a uniformidade.

Um dos antropólogos a abordar o tema foi Hobbs. Este autor defendia que não existindo a noção de legitimo e ilegítimo, não existiria também lei ou noção de injustiça. Assim, as sociedades primitivas deveriam ser sociedades agressivas, onde a guerra e a violência assumiriam o papel principal.

Outro dos autores que se debruçou sobre o assunto foi Jean-Jaques Rousseau que continuava a defender a existência de uma uniformidade nessas sociedades. Porém, passou a abordar uma outra perspectiva: Não havendo relações morais, os Homens não poderiam ser bons ou maus. Não tinham vícios ou virtudes. Esta era então uma sociedade isenta de conflitos.

Mas estas teorias não passaram livremente sem criticas. Marcel Mauss acreditava que a diferença era tão importante como a unidade. Na sua opinião, Durkheim estaria a ser demasiado rígido. Garnet, por sua vez, ilustrava as suas teorias com o exemplo do equilíbrio alcançado na China antiga. Os rituais eram responsáveis pela diferença; a musica pela união. Assim, da diferença resultaria o respeito mútuo e da união nasceria o afecto mútuo. Não se deveriam suprimir estas duas características.

Lévi-Strauss era outro dos críticos de Durkheim. Insurgia-se para destronar as suas teorias defendendo que no pensamento selvagem não havia qualquer confusão, mas sim posições diferentes.

Mas como então será formada a primeira sociedade estratificada civil?

Para Rousseau, tudo começou com o primeiro Homem que decidiu delimitar uma propriedade. Tendo os outros acreditado nele e no seu domínio territorial abriam-se assim as portas para a mudança. Os nómadas fixar-se-iam em bandos, a uniformidade cedia lugar à diversidade e era precisamente essa pluralidade de «nações» que iria ser responsável pela criação de um idioma que fosse comum. O Homem começava agora a olhar para o outro e é essa relação eu/outro que nos irá explicar o porquê do título Identidade Roubada.

M. Benoist lançou para a mesa uma nova ideia: para que o sujeito se possa afirmar terá de renunciar a uma relação exclusiva consigo próprio. E é nesta altura que o autor Gomes da Silva nos remete para o mito de Narciso, relatado por Ovídeo.

Quando Narciso nasceu, a sua mãe quis saber se lhe tinha sido concedida uma vida longa. Um adivinho respondia prontamente que sim: «desde que não se conheça a si próprio ( si se non nouerit )» – acrescentava. O recém-nascido poderia sobreviver se renunciasse a uma «relação reflexiva». Mas Narciso vê o seu reflexo e apaixona-se por si próprio, isolando-se de todos até definhar e morrer.

Involuntariamente ou não, a solidão é impossível. Sem a existência e o confronto com o outro, o sujeito deixaria de existir. Assim como o conceito de frio existe em função do conceito de calor ou como a noção de bem é justificada pela ideia de mal. É sempre o outro que nos permite construir uma imagem de nós próprios. É o outro que testemunha os actos do EU, o seu papel e estatuto na sociedade.

Porquê identidade Roubada? Porque essa Identidade apenas existe na presença do outro. Outro que quando desaparece «a rouba», a leva na sua fuga. Apesar de tudo, defende o autor que não nos devemos aproximar sobre risco das nossas identidades relativas se fundirem.

A questão levantada por Gomes da Silva refere-se à existência, ou não, de etnocentrismo. Sustenta o autor que sim. Dizemo-lo nós também, referindo-nos à actual sociedade ocidental em que nos encontramos inseridos.

Tal como Narciso, uma sociedade etnocêntrica que queira impor a sua visão monolítica de cultura, acabará isolada e definhará ou auto-devorar-se-á como o rei agreste do país de Camaaloth. Reza a lenda que este rei se isolou do mundo para não ser convertido à fé cristã pelo bispo Josefeu. Num acesso de loucura acabou por devorar as próprias mãos e estrangular o seu filho com os punhos meio destruídos.

Será que, como o Rei de Camaaloth, iremos devorar as nossas mãos se continuarmos a apostar num isolamento étnico-cultural?

Tatiana A. Santos acerca do livro

A Identidade Roubada
Ensaios de antropologia social
de José Carlos Gomes da Silva
Edição/reimpressão: 1994
Páginas: 216
Editor: Gradiva Publicações
ISBN: 9789726623564
Colecção: Trajectos

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