"Os Monstros existem. Os fantasmas também. Eles vivem dentro de nós e... às vezes ganham" [Stephen King]
http://www.facebook.com/youzen.psicologiaemeditacao
Wednesday, June 3, 2009
Tuesday, June 2, 2009
Monday, June 1, 2009
A "Identidade Roubada" de Gomes da Silva
Segundo Gomes da Silva (1994), a sociedade de princípios dos anos 90 (época em que o texto foi redigido) era caracterizada por uma visão etnocêntrica do mundo. Os Homens do mundo Ocidental tinham tendência para acreditar que o seu saber era o único válido e cientifico. Marx Weber defendia esta teoria. Emile Durkeim, um dos fundadores da Escola Sociológica Francesa (juntamente com Marcel Mauss) pegou na ideia e desenvolveu o princípio de que as sociedades eram mais evoluídas, porque apresentavam uma estratificação que não se verificava nas sociedades ditas «primitivas». A palavra-chave para essas sociedades «primitivas» era semelhança, opondo-se às sociedades consideradas «evoluídas», para as quais a palavra-chave era diferença.
«Tal como os romanos descobriram semelhanças muito grandes entre os artigos germanos, os ditos selvagens produzem o mesmo efeito no Europeu civilizado»
A sociedade Ocidental sempre teve tendência para estabelecer uma comparação em termos de superioridade Vs. inferioridade sem ter em consideração o facto de estarem a observar culturas completamente diferentes, com um distinto modo de ver o mundo. Chegaram mesmo a pensar que aquelas sociedades não eram mais do que simples reflexos deles próprios antes de terem evoluído. Entre a «selva inferior» e a sociedade ocidental «superior» a maior distinção residia numa diferenciação das personagens, uma estratificação do papel do Homem. Acreditava-se que nesses mundos primitivos reinava a uniformidade.
Um dos antropólogos a abordar o tema foi Hobbs. Este autor defendia que não existindo a noção de legitimo e ilegítimo, não existiria também lei ou noção de injustiça. Assim, as sociedades primitivas deveriam ser sociedades agressivas, onde a guerra e a violência assumiriam o papel principal.
Outro dos autores que se debruçou sobre o assunto foi Jean-Jaques Rousseau que continuava a defender a existência de uma uniformidade nessas sociedades. Porém, passou a abordar uma outra perspectiva: Não havendo relações morais, os Homens não poderiam ser bons ou maus. Não tinham vícios ou virtudes. Esta era então uma sociedade isenta de conflitos.
Mas estas teorias não passaram livremente sem criticas. Marcel Mauss acreditava que a diferença era tão importante como a unidade. Na sua opinião, Durkheim estaria a ser demasiado rígido. Garnet, por sua vez, ilustrava as suas teorias com o exemplo do equilíbrio alcançado na China antiga. Os rituais eram responsáveis pela diferença; a musica pela união. Assim, da diferença resultaria o respeito mútuo e da união nasceria o afecto mútuo. Não se deveriam suprimir estas duas características.
Lévi-Strauss era outro dos críticos de Durkheim. Insurgia-se para destronar as suas teorias defendendo que no pensamento selvagem não havia qualquer confusão, mas sim posições diferentes.
Mas como então será formada a primeira sociedade estratificada civil?
Para Rousseau, tudo começou com o primeiro Homem que decidiu delimitar uma propriedade. Tendo os outros acreditado nele e no seu domínio territorial abriam-se assim as portas para a mudança. Os nómadas fixar-se-iam em bandos, a uniformidade cedia lugar à diversidade e era precisamente essa pluralidade de «nações» que iria ser responsável pela criação de um idioma que fosse comum. O Homem começava agora a olhar para o outro e é essa relação eu/outro que nos irá explicar o porquê do título Identidade Roubada.
M. Benoist lançou para a mesa uma nova ideia: para que o sujeito se possa afirmar terá de renunciar a uma relação exclusiva consigo próprio. E é nesta altura que o autor Gomes da Silva nos remete para o mito de Narciso, relatado por Ovídeo.
Quando Narciso nasceu, a sua mãe quis saber se lhe tinha sido concedida uma vida longa. Um adivinho respondia prontamente que sim: «desde que não se conheça a si próprio ( si se non nouerit )» – acrescentava. O recém-nascido poderia sobreviver se renunciasse a uma «relação reflexiva». Mas Narciso vê o seu reflexo e apaixona-se por si próprio, isolando-se de todos até definhar e morrer.
Involuntariamente ou não, a solidão é impossível. Sem a existência e o confronto com o outro, o sujeito deixaria de existir. Assim como o conceito de frio existe em função do conceito de calor ou como a noção de bem é justificada pela ideia de mal. É sempre o outro que nos permite construir uma imagem de nós próprios. É o outro que testemunha os actos do EU, o seu papel e estatuto na sociedade.
Porquê identidade Roubada? Porque essa Identidade apenas existe na presença do outro. Outro que quando desaparece «a rouba», a leva na sua fuga. Apesar de tudo, defende o autor que não nos devemos aproximar sobre risco das nossas identidades relativas se fundirem.
A questão levantada por Gomes da Silva refere-se à existência, ou não, de etnocentrismo. Sustenta o autor que sim. Dizemo-lo nós também, referindo-nos à actual sociedade ocidental em que nos encontramos inseridos.
Tal como Narciso, uma sociedade etnocêntrica que queira impor a sua visão monolítica de cultura, acabará isolada e definhará ou auto-devorar-se-á como o rei agreste do país de Camaaloth. Reza a lenda que este rei se isolou do mundo para não ser convertido à fé cristã pelo bispo Josefeu. Num acesso de loucura acabou por devorar as próprias mãos e estrangular o seu filho com os punhos meio destruídos.
Será que, como o Rei de Camaaloth, iremos devorar as nossas mãos se continuarmos a apostar num isolamento étnico-cultural?
Tatiana A. Santos acerca do livro
A Identidade Roubada
Ensaios de antropologia social
de José Carlos Gomes da Silva
Edição/reimpressão: 1994
Páginas: 216
Editor: Gradiva Publicações
ISBN: 9789726623564
Colecção: Trajectos
Labels:
etnocentrismo,
gomes da silva,
identidade,
isolamento social,
narciso
A Psicologia do Xadrez

“O Xadrez é tortura mental”
Gary Kasparov
Segundo Reider (1959) nenhum tipo de jogo fornece à psicanálise, tantas oportunidades de investigação e estudo com o Xadrez. Para o autor, trata-se de um jogo que, em si, devido à sua estrutura, cristaliza questões ligadas ao romance familiar, está cheio de simbolismo e pode ainda oferecer, de algum modo, a gratificação ou a sublimação das pulsões. Neste tipo de jogo, diz Reider (1959), existem aqueles que se impressionam com a sua beleza e os que se encantam pelos elementos libidinais mas se sentem, ao mesmo tempo, perturbados pela sua destructividade ao aperceberem-se que a agressão é o núcleo deste jogo. O aspecto fulcral do jogo aborda a supermacia do Homem numa situação de agressividade sublimada. Ainda segundo Reider (1959) o Xadrez é um jogo militar que fornece organização, controlo e regulação num contraste entre a magia e a razão. Jones (1931) desenvolveu a sua teoria acerca deste jogo através da análise feita ao génio americano Paul Morphy. Para o autor, o Xadrez trata-se assim – e neste caso específico – de um jogo que representa a morte e o ataque ao pai (Jones, 1931).
A suportar esta ideia está a teoria de Freud (citado por Herbstman, 1925) relativamente às figuras reais no Xadrez. Nos sonhos e literatura infantil, os pais assumem figuras reais enquanto casal. O Xadrez poderia ser, então, uma elaboração de diversas tentativas de resolução da situação edipiana (Freud, citado por Herbstman, 1925). Fine (1956a), conhecendo por dentro a dinâmica do Xadrez como jogador da modalidade, abdicou da mesma para se dedicar à Psicanálise. De acordo com o autor, que analisou e estudou o funcionamento e vida dos grandes mestres do Xadrez, Boris Spassk, por exemplo, poderá ser visto como o “não-herói” mostrando flexibilidade e bons resultados noutras áreas que não o Xadrez. Boris cresceu durante o cerco a Leninegrado, foi abandonado pelo pai ainda novo e criado pela mãe mas não antes de ter passado uns anos num orfanato. Fine (1956a) considerou-o tendencialmente como uma personalidade depressiva. Por outro lado, Bobby Fisher é figurado como o “herói”. Também foi abandonado pelo pai e criado pela mãe que, curiosamente, se chamava Regina (rainha). Segundo Fine (1956a), Fisher dedicou toda a sua vida ao Xadrez, ao contrário de Spassk. Diz o autor, que Fisher jogaria para satisfazer as suas fantasias de omnipotência.
O Xadrez, para Fine (1956b), trata-se então de uma competição entre dois homens que roça os conflitos relativos à agressão, homossexualidade, masturbação e narcisismo. Estes temas tornam-se particularmente proeminentes nas fases anal-fálica. Pode entender-se como um meio de trabalhar a rivalidade pai-filho (Fine, 1956b). Como figura central existe o Rei – peça que marca todo o jogo e que chega mesmo a dar-lhe nome (Shah = Rei em Persa). É importante, insubstituível mas, ao mesmo tempo, fraco e necessita de protecção. O Rei pode, segundo Fine (1956b), representar várias coisas. O pénis do rapaz na fase fálica e remeter, desse modo, para a ansiedade de castração da altura. Pode estar relacionado com a auto-imagem – questão apelativa para aqueles que se consideram indispensáveis, importantes e insubstituíveis – constituindo um modo de resolver conflitos associados ao narcisismo. Crucial também o facto da figura do Rei poder ser entendida como uma forma de redução do poder paterno à condição e dimensão do filho. Um modo do rapaz dizer ao pai que ali o seu poder está reduzido e também ele é fraco e precisa de apoio. No fundo, o tabuleiro de Xadrez representa para Fine (1956b) toda a complexidade da dinâmica familiar. Os peões podem ser vistos como crianças. Rapazes jovens que nunca se tornarão reis e este elemento marca o aspecto destrutivo da rivalidade. A Rainha, por sua vez, retrata obviamente a figura da mulher, neste caso a mãe. De destacar a sua importância fulcral no ataque ao Rei (pai).
Referências Bibliográficas:
Fine, R. (1956a) Psychoanalytic observation on chess and chess masters. Psychoanalysis, 4, 7-77.
Fine, R. (1956b) The psychology of the chess player. New York: Dover Pub.
Herbstman, A. (1925) Psychoanalysis of chess. Moscow: Contemporary Problems Press.
Jones, E. (1931) The Problem of Paul Morphy: A Contribution to the Psychoanalysis of Chess International Journal Psychoanalysis, 12, 1-23.
Reider, N. (1959) Chess, Oedipus, and the Mater Dolorosa. International Journal of Psycho-Analysis, 40, 320-334.
Labels:
Bobby Fisher,
Boris Spassk,
freud,
pais,
patologia,
Paul Morphy,
psicanálise,
psicologia,
rei,
xadrez
O Jogo Patológico Como Forma de Perversão

“Experimenta-se uma sensação especial
quando, sozinho, num país estrangeiro,
longe da pátria, dos amigos, não sabendo
o que se vai comer nesse mesmo dia,
se arrisca o último florim, o último, o último!”
Fiódor Dostoiévski In O Jogador
Existem várias características, enunciadas por vários autores, que apontam para que o jogo patológico possa ser percebido como uma forma de masoquismo perverso, logo, uma forma de perversão. Tal como um outro perverso, também o jogador patológico substitui as relações interpessoais por relações deste género. Como se estruturam então estas relações? Segundo Richards (2003) o perverso escolhe um cenário ou elege um objecto, apresenta comportamento compulsivo, prazer na descarga agressiva e, após a obtenção da grandeza, ansiada e idealizada, surge a culpa e a vergonha pelo ataque. Todas estas fases se percebem num jogador patológico. Bem como a relação com um objecto “fetiche”, muitas vezes usado como amuleto em situação de jogo.
Payne (1939) fala da relação da pessoa com o seu “fetiche” e refere que é a mesma que se estabelece com os seus objectos internalizados ou imagos parentais. O “fetiche” é assim usado como forma de protecção do “bom” objecto contra o ataque que ao mesmo tempo o poderá destruir. Eiguer (1999) no seu livro “Pequeno tratado das perversões morais”, dedica um capítulo ao jogador. Segundo o autor, este faz lembrar o adicto – alguém que arrisca a própria vida para obter uma emoção intensa. Eiguer (1999) defende que jogando se põem em cena os tormentos, poupando o jogador de sentir a dor que daí advém. Tratando Deus como igual, o jogador desafia assim as leis da Natureza (Eiguer, 1999).
Já Lacan em 1966 (citado por Eiguer, 1999) decompunha a palavra “pervers” como “per” (père) e “vers”. Ou seja, em direcção ao pai. O jogador é assim, de alguma forma, o interlocutor de um pai simbólico. Nesta forma de perversão, existem dois pólos. Por um lado o triunfo e a omnipotência que podem ser vistos como uma recusa da castração. Por outro, a perda, o declínio que remetem o jogador para os seus próprios limites (Eiguer, 1999, p: 112).
Referências Bibliográficas:
Eiguer, A. (1999) Pequeno tratado das perversões morais. Lisboa: Climepsi.
Payne, S. (1939) Some observations on the Ego development of the fetishist. International Journal of Psychoanalysis, 20, 161-171.
Richards, A. K. (2003) A fresh look at perversion. Journal of the American Psychoanalytic Association, 51 (4), 1199-1218.
Friday, May 29, 2009
FIGHT CLUB (análise Psicológica do filme)
NOTA: A análise deste filme é detalhada e inclui revelação do final do mesmo e esclarecimentos acerca das personagens. Não recomendado a quem não viu o filme e pretende o efeito surpresa.

Ficha técnica
Ano: 1999
Realizador: David Fincher
Produtor: Cean Chaffin; Art Linson e Ross Bell
Argumento: Jim Uhls
Baseado no romance de Chuck Palahniuk
«Eu sou os suores frios do Jack»
«Eu sou a vingança do Jack»
«Eu sou a vida desperdiçada do Jack»
«Eu sou o inflamado sentido de rejeição do Jack»
«Eu sou o coração despedaçado do Jack»
Estas frases definem, só por si, todo o rumo do filme – uma espiral descendente de decadência e rotura com o mundo. FIGHT CLUB é um filme bastante violento sobre esquizofrenia. No entanto, apenas no final do filme é que o espectador se apercebe da doença do personagem principal.
A definição de esquizofrenia pode ser aplicada a esta separação que ocorre no narrador do filme – Jack (Edward Norton). Esta fragmentação, leva-o a criar Tyler Durden (Brad Pitt), uma personagem que encarna as suas pulsões do Id.
Desde o início do filme é possível registar alguns comportamentos e frases que remetem para o surgimento de Tyler. Por exemplo, quando Jack visita o médico acerca da sua insónia que se arrasta há seis meses. Nessa altura, Jack pede que lhe prescreva medicação com medo de morrer de insónias. «Mas eu estou em sofrimento» - diz. Ao que o médico responde, muito ao jeito de Tyler: «se queres saber o que é dor, vai ao grupo de apoio de cancro testicular... isso sim, é dor». O conceito de Tyler Durden surge assim que o médico pronuncia as palavras «isso sim, é dor».
Mas é apenas quando Jack se encontra no avião – para uma viagem de trabalho – que Tyler surge realmente numa cena com diálogo. Antes da chegada de Tyler, a monotonia da vida de Jack é transmitida quando o espectador o vê a catalogar os aeroportos por onde passa, quando está a trabalhar. «Acordas em O’Hare, acordas em Dallas (...) será possível acordar como alguém diferente?» - diz o narrador Jack.
O NASCIMENTO DE TYLER DURDEN

A desilusão e frustração de Jack é revelada à medida que ele imagina um terrível despenhamento ou choque entre aviões, porque o seguro paga a dobrar quando a morte acontece em trabalho. Esse acidente não é mais do que a raiva interior de Jack. Para além disso simboliza todas as alterações que se estão a dar a nível psicológico e que vão mudar radicalmente a sua vida. É o colapsar do Jack.
É então que Tyler Durden é criado. Surge sentado ao lado de Jack assim que ele «acorda» do seu acidente imaginário. Neste momento, o espectador é levado a crer que Tyler é um ser humano real. Pode então conhecer-se a sua actividade profissional e alguns detalhes a seu respeito. Tyler fabrica e vende barras de sabão. Sabão este que, ao longo de todo o filme, vai assumir uma função extremamente simbólica e relevante para o rumo da história.
Se, por um lado, o sabão se prende com o «lavar», «apagar» o materialismo – exactamente o que Tyler prega durante toda e viagem e todo o filme acerca dos malefícios do consumismo – por outro, o facto de Tyler roubar gordura humana a centros de liposucção para fabricar as barras de sabão que vende a $20 cada, remete para o extremo oposto. Há um dualismo nesta figura: sabão que nos leva quer para o anti-materialismo, quer para o materialismo na sua forma mais pura.
Inicialmente o narrador sente-se fascinado por Tyler – pela sua força, estilo, carisma, determinação. Tyler é tudo aquilo que Jack nunca conseguiu ser. Quando Jack perde o apartamento numa explosão (que mais tarde se verifica ter sido provocada pelo próprio), fica desalojado e passa a viver com Tyler numa casa semi-destruída, em eminente colapso. Esta casa é a última rejeição de materialismo por parte de Jack. Separado dum mundo de consumo, o narrador começa a sua descida ao inferno, a um mundo de caos.
Jack, empregado numa companhia de seguros, sofre de tédio e insónias. O seu único escape é frequentar grupos de apoio a tuberculosos, doentes de Lúpus e cancro testicular... ao contrário dos frequentadores destes grupos, Jack não sofre de uma doença fatal ou de algum tipo esquisito de parasitismo sanguíneo. Jack é o próprio parasita que se torna dependente do sofrimento dos outros. Os seus bens materiais são tão insuficientes que só assistindo à dor dos outros consegue chorar e assim dormir como um bebé. Porém, rapidamente os grupos de apoio deixam de ser suficientes. A figura de Tyler serve para preencher essa lacuna – Tyler é o que Jack sempre sonhou ser.
AUTO-AGRESSÃO, VIOLÊNCIA AUTO-INFLINGIDA

Tyler insiste na filosofia de que experienciar a dor é um modo de alcançar a libertação. Assim, Jack inicia uma actividade auto-destrutiva como meio de melhorar a sua existência entediante e banal – nasce o FIGHT CLUB.
As tendências destrutivas do narrador são evidentes, sobretudo quando Tyler queima a mão de Jack (com um beijo e Potassa). Quando o espectador se apercebe que Tyler e Jack são a mesma pessoa, essa cena atinge uma dimensão muito profunda e densa devido à percepção da auto-mutilação que se pretende recriar no filme. O beijo, que significa amor, assume aqui o papel de destruidor. Não há limites para Jack. O que era deixou de ser. Os conceitos alteram-se neste novo e complexo mundo que Jack descobriu.
Jack percebe que ele e Tyler se assumem-se como uma e a mesma pessoa quando se começa a verificar incongruências e quando deixa de se identificar com as acções que tanto valorizava. Ao perceber que tudo está a tomar proporções alarmantes – sobretudo o projecto Destruição – vidas passam a estar em jogo e Jack tem de, rapidamente, ganhar o controlo da situação destruindo Tyler Durden.
O último acto de violência auto-inflingida é a tentativa de suicídio de Jack. Agora o controlo é seu... a arma de Tyler está na sua mão porque Tyler e ele são um só.

Ficha técnica
Ano: 1999
Realizador: David Fincher
Produtor: Cean Chaffin; Art Linson e Ross Bell
Argumento: Jim Uhls
Baseado no romance de Chuck Palahniuk
«Eu sou os suores frios do Jack»
«Eu sou a vingança do Jack»
«Eu sou a vida desperdiçada do Jack»
«Eu sou o inflamado sentido de rejeição do Jack»
«Eu sou o coração despedaçado do Jack»
Estas frases definem, só por si, todo o rumo do filme – uma espiral descendente de decadência e rotura com o mundo. FIGHT CLUB é um filme bastante violento sobre esquizofrenia. No entanto, apenas no final do filme é que o espectador se apercebe da doença do personagem principal.
A definição de esquizofrenia pode ser aplicada a esta separação que ocorre no narrador do filme – Jack (Edward Norton). Esta fragmentação, leva-o a criar Tyler Durden (Brad Pitt), uma personagem que encarna as suas pulsões do Id.
Desde o início do filme é possível registar alguns comportamentos e frases que remetem para o surgimento de Tyler. Por exemplo, quando Jack visita o médico acerca da sua insónia que se arrasta há seis meses. Nessa altura, Jack pede que lhe prescreva medicação com medo de morrer de insónias. «Mas eu estou em sofrimento» - diz. Ao que o médico responde, muito ao jeito de Tyler: «se queres saber o que é dor, vai ao grupo de apoio de cancro testicular... isso sim, é dor». O conceito de Tyler Durden surge assim que o médico pronuncia as palavras «isso sim, é dor».
Mas é apenas quando Jack se encontra no avião – para uma viagem de trabalho – que Tyler surge realmente numa cena com diálogo. Antes da chegada de Tyler, a monotonia da vida de Jack é transmitida quando o espectador o vê a catalogar os aeroportos por onde passa, quando está a trabalhar. «Acordas em O’Hare, acordas em Dallas (...) será possível acordar como alguém diferente?» - diz o narrador Jack.
O NASCIMENTO DE TYLER DURDEN

A desilusão e frustração de Jack é revelada à medida que ele imagina um terrível despenhamento ou choque entre aviões, porque o seguro paga a dobrar quando a morte acontece em trabalho. Esse acidente não é mais do que a raiva interior de Jack. Para além disso simboliza todas as alterações que se estão a dar a nível psicológico e que vão mudar radicalmente a sua vida. É o colapsar do Jack.
É então que Tyler Durden é criado. Surge sentado ao lado de Jack assim que ele «acorda» do seu acidente imaginário. Neste momento, o espectador é levado a crer que Tyler é um ser humano real. Pode então conhecer-se a sua actividade profissional e alguns detalhes a seu respeito. Tyler fabrica e vende barras de sabão. Sabão este que, ao longo de todo o filme, vai assumir uma função extremamente simbólica e relevante para o rumo da história.
Se, por um lado, o sabão se prende com o «lavar», «apagar» o materialismo – exactamente o que Tyler prega durante toda e viagem e todo o filme acerca dos malefícios do consumismo – por outro, o facto de Tyler roubar gordura humana a centros de liposucção para fabricar as barras de sabão que vende a $20 cada, remete para o extremo oposto. Há um dualismo nesta figura: sabão que nos leva quer para o anti-materialismo, quer para o materialismo na sua forma mais pura.
Inicialmente o narrador sente-se fascinado por Tyler – pela sua força, estilo, carisma, determinação. Tyler é tudo aquilo que Jack nunca conseguiu ser. Quando Jack perde o apartamento numa explosão (que mais tarde se verifica ter sido provocada pelo próprio), fica desalojado e passa a viver com Tyler numa casa semi-destruída, em eminente colapso. Esta casa é a última rejeição de materialismo por parte de Jack. Separado dum mundo de consumo, o narrador começa a sua descida ao inferno, a um mundo de caos.
Jack, empregado numa companhia de seguros, sofre de tédio e insónias. O seu único escape é frequentar grupos de apoio a tuberculosos, doentes de Lúpus e cancro testicular... ao contrário dos frequentadores destes grupos, Jack não sofre de uma doença fatal ou de algum tipo esquisito de parasitismo sanguíneo. Jack é o próprio parasita que se torna dependente do sofrimento dos outros. Os seus bens materiais são tão insuficientes que só assistindo à dor dos outros consegue chorar e assim dormir como um bebé. Porém, rapidamente os grupos de apoio deixam de ser suficientes. A figura de Tyler serve para preencher essa lacuna – Tyler é o que Jack sempre sonhou ser.
AUTO-AGRESSÃO, VIOLÊNCIA AUTO-INFLINGIDA

Tyler insiste na filosofia de que experienciar a dor é um modo de alcançar a libertação. Assim, Jack inicia uma actividade auto-destrutiva como meio de melhorar a sua existência entediante e banal – nasce o FIGHT CLUB.
As tendências destrutivas do narrador são evidentes, sobretudo quando Tyler queima a mão de Jack (com um beijo e Potassa). Quando o espectador se apercebe que Tyler e Jack são a mesma pessoa, essa cena atinge uma dimensão muito profunda e densa devido à percepção da auto-mutilação que se pretende recriar no filme. O beijo, que significa amor, assume aqui o papel de destruidor. Não há limites para Jack. O que era deixou de ser. Os conceitos alteram-se neste novo e complexo mundo que Jack descobriu.
Jack percebe que ele e Tyler se assumem-se como uma e a mesma pessoa quando se começa a verificar incongruências e quando deixa de se identificar com as acções que tanto valorizava. Ao perceber que tudo está a tomar proporções alarmantes – sobretudo o projecto Destruição – vidas passam a estar em jogo e Jack tem de, rapidamente, ganhar o controlo da situação destruindo Tyler Durden.
O último acto de violência auto-inflingida é a tentativa de suicídio de Jack. Agora o controlo é seu... a arma de Tyler está na sua mão porque Tyler e ele são um só.
O Corpo e a Comunicação Social (Cancro da Mama)

A opinião geral é de que os meios de comunicação social são uma fonte de imagens e mensagens extremamente influente acerca do corpo idealizado pelo qual mulheres e raparigas lutam (Anderson & DiDomenico, 1992). Sendo assim, e segundo Monro & Huon (2005) a exposição a estas imagens idealizadas conduz a um aumento da vergonha do corpo e ao surgimento de ansiedade. Segundo Maltby, Giles & Barber (2005) um dos mais temidos efeitos dos media é a «glamourização» das celebridades e modelos, promovendo corpos irreais e inatingíveis.
Carter (2003) refere ainda o papel das revistas médicas da especialidade nas quais aparece sempre a imagem de uma mama, coisa que não sucede com o cancro testicular, por exemplo. Para além disso, as fotografias que são referidas dizem respeito a mamas jovens e não velhas, a corpos saudáveis e não doentes não sendo apresentados por mulheres com cancro da mama mas por modelos. Outras vezes a mama cancerosa que aparece nem sequer é de carne mas sim um desenho computorizado como se estivesse separado do corpo da mulher.
Segundo Light (1995) a cobertura mediática raramente reflecte o medo e o tormento quotidiano que sente quem vive com cancro. Isso torna-se mais doloroso numa cultura que vende carros e computadores utilizando, para isso, várias partes do corpo da Mulher. Richins (1991) também refere que depois de ver imagens de modelos, as mulheres – no geral – descrevem-se como menos satisfeitas com a sua aparência física. Assim sendo, esta atitude é extremamente difícil de suportar para quem tem uma mama amputada e, desta forma, a sua aparência. Para além disso, as imagens transmitidas pelos media – sobretudo as enquadradas num contexto publicitário (ex.: produtos de modificação de peso) – promovem a ideia de que a forma e tamanho corporais são flexíveis. Assim sendo, levam a crer – segundo Brownell (1991) – que atingir esses resultados é fácil.
Referências Bibliográficas:
Brownell, K.D (1991) Dieting and the search for the perfect body: Where physiology and culture collide. Behavior therapy, 22, pp. 1-12.
Carter, T. (2003) Body Count: Autobiographies by Women Living with Breast Cancer. Journal of popular culture, 36(4), p. 653.
Anderson, A. & DiDomenico, L. (1992). Diet vs. shape content of popular male and female magazines: A dose-response relationship to the incidence of eating disorders? International journal of eating disorders, 11(3), pp. 283–287.
Light, R. (1995) Breast cancer and body image. Retirado da página Breast Cancer Action: http://www.findarticles.com/p/articles/mi_qa3693/is_199411/ai_n8725003/pg_2 a 16 de Abril de 2006.
Maltby, J., Giles, D. & Barber, L. (2005) Intense-personal celebrity worship and body image: Evidence of a link among female adolescents. British journal of health psychology, 10(1), pp. 17-32.
Monro, F. & Huon, G. (2005) Media-portrayed idealized images, body shame, and appearance anxiety. International journal of eating disorders, 38(1), pp. 85-90.
Richins, M. L. (1991) Social comparison and the idealised images of advertising. Journal of consumer research, 18, pp. 71-83.
Labels:
cancro,
comunicação social,
corpo,
ideal,
imprensa,
mama,
mastectomia,
publicidade
Subscribe to:
Posts (Atom)